“A paradoxal sacralidade da escola”, por Kleyton Gualter de Oliveira Silva

“Sociedade dos poetas mortos” é um filme que apresenta a história de um professor que usa métodos pouco ortodoxos em uma escola das antigas tradições. No roteiro, os estudantes enfrentam enormes pressões de seus pais, da escola e para “suportar” tal estrutura, contam com a ajuda de Keating, o novo professor. Os alunos Neil Perry, Todd Anderson e outros aprendem como não ser tão tímidos e seguir seus sonhos, “aproveitando cada dia”.

No inicio da minha vida escolar, fui encaminhado para uma escolinha particular, durante uma cantiga cantada pela professora, a música findava com “vai parar na lata do lixo”, fugi, na expectativa que nunca mais voltaria para aquele lugar, cinzento e triste. Assim persisti durante muito tempo e por isto, mesmo com os diversos chamados, demorei aceitar a missão de ser professor. 

Na confluência de detalhes da vida, realço que fugir da escola e esquivar-se das possibilidades não suportaram filmes como “sociedade dos poetas mortos” e seus processos de encantamento. As cenas do filme impulsionaram mais do que lágrimas, alcançaram meu cerne, transformando uma aversão em desejo de Ser. O brilhante resultado do trabalho do professor John Keating e a celebre frase: “carpe diem”, ou, aproveitem o momento, criaram situações imagéticas que me levaram por ideações de como eu seria quando fosse professor. No cardápio das similaridades, outros audiovisuais como: “Ao mestre com carinho” e “Mr. Holland – Adorável Professor” foram roteiros de encantamento, com as metodologias nada convencionais e os métodos díspares ao conservadorismo sacro da escola, mas, transformavam vidas. 

Estes filmes também foram alimento formativo na universidade, base para os diversos debates sobre modelos de trabalhos realizados em escolas, geralmente, de espaços periféricos, ou seja, carentes de investimentos adequados e estruturas mínimas de trabalho. Era a sétima arte alertando de como seria a solitária e desconhecida jornada profana dos professores e das professoras no solo sagrado da escola, pois, quão raro é o reconhecimento, principalmente, enquanto estavam vivos e conduzindo o extenuante trabalho da formação humana. 

Contudo, não raro são as tentativas de filmes como: “escritores da Liberdade” e séries como “Merlí”, de realçarem como seria a difícil tarefa dos profanadores, professores e professoras, mas, já era tarde, estava pronto para enfrentar o martírio e o escape da crucificação. Sabia que, assim como nos filmes, a “excelência” requer de nós, profanadores, horas de trabalho após o fluxo normal da escola, além dos riscos, inclusive de morrer. Não medir esforços para transformar vidas é o que fazemos como práxis, o real objetivo da formação, por isso, que muitos são os profissionais que afetam positivamente o mundo de crianças, adolescentes e jovens, porém, poucos são canonizados ou simplesmente vistos pelos trabalhos que fazem. 

Dito isto, fico pensando se a sacralidade da escola não estaria pautada no objetivo do “Emburrecimento Programado” descrito por John Taylor Gatto? Diante da dúvida, reflito sobre o conjunto de ações burocráticas, programas, projetos e documentos a serem preenchidos ou executados que chegam até a escola intermitentemente, porém, sem lógica conectiva com os diversos e gigantescos problemas que já existem nas múltiplas salas de aulas do país. 

As demandas são sobrecargas para difícil tarefa de ensino, mas, servem como  manto para cobrir ou falsear o verdadeiro sentido da escola, transformando-a em um monumento sagrado, intocável e os professores e as professoras como profanadores, pois, não há superpoderes que faça com que eles e elas deem contar de executar ou responder o nível de cobranças exógenas a sala de aulas que lhes são impostas pelas redes de ensino, nas paredes “tortas” e dos escassos recursos para as reais necessidades de funcionamento escolar.

No livro “Emburrecimento Programado”, pode-se perceber que o autor alerta para a necessidade da superação das propostas impostas pelo sistema educacional verticalizado. Com isto, mostra que virar as costas para as imposições é abrir espaço para metodologias que nascem nas salas de aula, para os excelentes trabalhos desenvolvidos a partir da práxis pedagógica e que poderiam servir de apoio, inicialmente, dentro da carente estrutura de funcionamento, para posterior construção da materialidade do funcionamento da escola como a comunidade espera. 

As redes de ensino ou Secretarias de Educação não são constituídas de profetas produtores de Projetos a serem derramados como mantras oriundos das divindades oraculares. Enquanto buscam fórmulas milagrosas, seres reais com problemas pontuais fazem seus trabalhos de superação das dificuldades de aprendizagem. Lá no campo de batalha, no chão da escola, com pouco verso dos recursos, com a sobra da sombra das divindades, sobrevivendo com segundos de ar respirável. Do jeito que Gatto descreveu, enfrentando a tentativa de um “Emburrecimento programado”.

Portanto, torna-se necessário e urgente mudar a forma de trabalho e partir do “chão da escola”, destruindo o portal mágico que separava a sociedade da escola. Para isto, alguém precisa dizer aos semideuses/semideusas que administram as redes de ensino que: eles/elas “estão nus” e a maquina do tempo que os transportou para o passado está quebrada e se fechou, deixando-os longe das realidades sociais. Quem sabe assim despertem do sono profundo e abram os olhos, notando a fome e a miséria, os baixos índices de conhecimento, as inabilidades, os professores e professoras doentes e adoecendo, ou seja, a estrutura insalubre, cheia de problemas e perigosa que administram. 

Sendo assim, quem sabe possam enxergar por baixo da cortina do sagrado coração da escola – apropriando-se da práxis administrativa, menos ficcional, pautada na superação de problemas reais de um universo complexo e carente de políticas oriundas do chão das escolas, construídas com a participação individual do professor e da comunidade escolar na sua inteireza. 

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