Por Gabriel Pugliese*
O artigo apresenta uma reflexão crítica sobre a campanha eleitoreira transformada em bordão contra os maus costumes. Discute em que medida as relações que o Deputado Federal Jair Bolsonaro catalisa em sua pessoa se aproximam do fascismo, convidando os seus apoiadores e desavisados para uma reflexão sobre o assunto.
Tal o bordão dos raivosos e dos desavisados! Para aqueles que acham que a solução do Brasil é a violência e o porrete como nos regimes fascistas: Bolsonaro 2018! Para aqueles que acham que a vida e até o humor está muito chato, porque não se pode insultar mulheres, negros e gays como outrora: Bolsonaro 2018! Para aqueles que avaliam toda a política a partir dos seus desejos privados e de suas contas tornando-as o fim último de todas as ações: Bolsonaro 2018! Para quem deseja fechar o congresso e acabar com o mal da democracia porque ela só potencializa maus costumes: Bolsonaro 2018! Para aqueles que desejam militares novamente ocupando postos de poder e dando o direito de permanecer calado a todos os esquerdopatas: Bolsonaro 2018! Para aqueles que votam contra a corrupção e relevam o racismo, a misoginia, a tortura, a incitação ao estupro e outros crimes contra a humanidade: Bolsonaro 2018! Para aqueles que querem um governante sem freio, que não respeita os limites do Supremo Tribunal e da Constituição e que, além disso, tem ouvidos moucos para seus opositores: Bolsonaro 2018!
Bolsonaro 2018! O pássaro de minerva dos raivosos e dos desavisados! É o grito de uma parte da população brasileira cansada de ver a bandidagem tomando conta das cidades e da política, e a falta de bons costumes tomando conta da vida social e das instituições. Afinal, Jair Bolsonaro é o único arauto que se opõe à bandidagem, à viadagem, aos privilégios raciais e econômicos que ferem a dignidade do “verdadeiro brasileiro” e do Brasil. Porque é preciso defender a Família Patriarcal, Branca, Cristã, Heterossexual, de Classe Média etc.; dos perigos que a cercam tanto economicamente quanto moralmente. É preciso defendê-la sobretudo dos vagabundos que usurpam o trabalho e maltratam os empregadores (refiro-me aqui a ladrões, corruptos e, crucialmente, a usuários do bolsa família); dos ideólogos do homossexualismo e das perversões sexuais que querem expandir suas práticas; das feministas que ferem as regras do matrimônio, do sagrado lar e da família; e dos privilégios racistas dados aos negros e índios através das cotas raciais nas universidades e em outros ambientes públicos.
Ora, todos esses grandes absurdos discursivos dos parágrafos anteriores estão amparados em uma estratégia de esquecimento da história que compõe nossa política e as relações de poder por ela conformadas. Trata-se de uma forma de transformar toda a histórica luta por direitos e por reparações em privilégios das minorias. Segundo essa lógica, é muito sofrido ser Homem, Branco, Heterossexual, de Classe Média e Cristão no Brasil! Salve Olavo de Carvalho, o filosofo da resistência dos bons costumes. Santa maneira de fazer com que os bons costumes se confundam com os seus e de seus correligionários, enquanto se apresenta todos os outros costumes como formas de degeneração. Bolsonaro, o salvador da nação das práticas degeneradas – que não por acaso são sempre a dos outros. Este sim é um argumento barato de vitimização, que não se sustenta pela história, pela lei, e menos ainda politicamente. E é somente uma expressão de um cinismo raivoso, de valores invertidos que visam beneficiar um grupo de pessoas que se sentem enfurecidas quando os seus privilégios históricos são repartidos em direitos para um maior número de pessoas.
É preciso atentar que Jair Bolsonaro representa a possibilidade de mais pessoas constituírem e publicizarem abertamente as suas mais secretas e sórdidas discriminações e encontrar coro e representação pública. Em si mesmo trata-se de um idiota (tanto no sentido clássico de individuo privado do público quando no contemporâneo de desprovido de inteligência), mas representa um encorajamento de atitudes e ações há muito tempo combatidas, e que encontram ressonâncias muito claras com as lideranças fascistas do início do século XX. Ele representa uma banalização do mal, e a torna política na medida em que garante sua existência institucional. Jair Bolsonaro se apresenta como um cavaleiro virtuoso dos “bons costumes”, diz ele que sua fama de fascista é resultado da calunia dos esquerdistas. Ao mesmo tempo, nos contempla com frases inesquecíveis (e inúmeros processos penais): “não te estupro, porque você não merece”, “isso é o que dá torturar, e não matar”, “só vai mudar o País, se matar uns 30 mil”, “o filho fica assim meio gayzinho leva um coro e muda o comportamento dele” para ficar somente com algumas, porque é preciso terminar a leitura sem vomitar.
Mas como o deputado mesmo disse em entrevista recente à Folha de São Paulo: “Sou acusado de tudo, só não de corrupto. Viu algum deputado devolver dinheiro que recebeu de empresário para a campanha? Não, só eu”. Bolsonaro 2018! Racista, misógino, homofóbico, intolerante, mas não bandido, pois não é corrupto. Porque o único crivo importante dos relacionamentos humanos é o econômico. E porque somente se deve pensar a partir do próprio bolso! O fato do Deputado defender e incitar uma porção de crimes contra a humanidade e saudar torturadores em rede nacional é somente trivial. Eis a tolice seletiva e eloquente dos raivosos e dos desavisados!
Recentemente Bolsonaro vem gradativamente suavizando seu discurso, com o objetivo claro de recrutar um maior número de desavisados para seu séquito. Porque é claro que qualquer sujeito com senso histórico, ao topar com Bolsonaro sente o cheiro de fascismo. Sim, porque uma das características cruciais do fascismo é a transformação da diferença em desigualdade por meio de uma relação de desprezo ou de ódio, tornando sob certas circunstâncias o outro (bandido, bicha, negro, mulher, vagabundo, esquerdopata, etc.) em uma espécie de sub-humano indesejado e descartável. E, essa característica do fascismo, quando ganha força e respaldo institucional, autoriza e legitima o uso da violência como forma de relacionamento (a)politico. Torturas, penas de morte, corretivos, curas, tratamentos enérgicos, enfim, a violência física e moral, ocupam o espaço da política como forma de convivência com a diferença, definitivamente transformada em desigualdade.
Assim, para os desavisados vale a necessidade de uma pesquisa e de um esclarecimento meditado acerca do assunto, e se isso não for o suficiente para envergonhá-lo de reproduzir o bordão Bolsonaro 2018!, então você simpatiza com práticas fascistas e raivosas. E, já avisado, não passará.
*Gabriel Pugliese é Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Homem, Branco, Heterossexual, de Classe Média e (Ateu) de Família Cristã.
obs. Publicado inicialmente em PontoCrítico em 20 de março de 2017.