“¿Por qué no te callas?”, por Daniel de Moura

Na semana passada, além da Justiça paulista decretar a falência da icônica Livraria Cultura, aconteceu também uma entrevista num estúdio de rádio em Divinópolis, município de Minas Gerais e terra natal da poetisa Adélia Prado. Eis o diálogo:

“Queria encerrar o podcast, esta entrevista especial, governador, presenteando o senhor com um livro da Adélia Prado, ela que é uma escritora muito conhecida em Divinópolis”, disse o locutor. E continuou:

“É um presente da diretora aqui do sistema MPA de comunicação, em nome de todo o grupo. São os 150 melhores poemas da nossa escritora Adélia Prado.”

Romeu Zema, 58 anos e atual governador de Minas Gerais, nasceu no município mineiro de Araxá, pega o livro, folheia e diz: “Muito obrigado, muito bonito o livro, vou fazer bom uso, com toda certeza.”

O locutor diz que Zema lê muito e ele responde: “Ela (Adélia Prado) trabalha aqui?”

As palavras desastrosas do governador mineiro, mostra o quanto nossos políticos tem levado a educação brasileira direto para o vinagre. Já soa esquisito o fato do governador não ter lido Adélia Prado, mas o fato de não conhecê-la é imperdoável a um homem público que governa a mesma cidade onde a escritora nasceu e hoje, com 87 anos, recolheu-se em sua casa por motivos pessoais. Apadrinhada por Carlos Drummond de Andrade que dizia ser ela lírica, bíblica e existencial, Adélia Prado publicou o seu primeiro livro Bagagem em 1975 e, em 1978, ganhou o prêmio Jabuti com a publicação de O Coração Disparado. A importância de seus textos fez a atriz Fernanda Montenegro apresentar em 1987 o espetáculo Dona Doida, baseado nos escritos de Adélia e a peça fez muito sucesso, indo além em outros países como Portugal, Itália e Estados Unidos.

Zema lê muito? Não é o que parece. O que eu sei é que governantes são marcados por livros que leem, como Barack Obama que todos os anos compartilha a sua lista de livros preferidos do ano. E por falar em presidente americano, poucos escritores ganharam a sorte de um Paulo Coelho que teve o seu livro elogiado por Bill Clinton. Na época, o líder americano foi visto por um jornalista do Washington Post na Casa Branca lendo The Alchemist.

Na antiguidade não foi diferente. O maior líder militar Alexandre o Grande, o homem que nos deu a biblioteca de Alexandria, expandiu as fronteiras do seu pequeno reino europeu até a Índia, sempre carregando consigo a inseparável cópia de seu texto favorito, a Ilíada. Obcecado pela narrativa homérica, iniciou as suas conquistas do Oriente começando por Troia.

Já no regime tzarista, Dostoiévski que também era metido com política, ficou preso na Sibéria e condenado à morte por participar de um grupo de intelectuais críticos ao regime, o Círculo de Pietrachévski. Na prisão era proibido ler, com exceção da Bíblia Sagrada que inspirava-o a criar os seus personagens com a moral cristã.

Aqui no Brasil, Dom Pedro II, imperador culto, em sua primeira viagem fora da Corte foi até o Rio Grande do Sul e parando em Santa Catarina, recebeu de um monge o livro Os Lusíadas autografado pelo próprio Camões. A obra o acompanhou pelo resto de sua vida.

O que os políticos no Brasil precisam entender é isso: os livros formam pessoas, formam hábitos e também formam o mercado. Quem lê, lê a vida e voltando a cidade do Canastra, do Cruzeiro e da música, quem sempre citava Adélia Prado em seus livros e palestras era um outro mineiro, Rubem Alves, e foi assim que eu a conheci.

Através desse texto, convido todos a conhecerem a poesia de Adélia e também a experimentarem o queijo Canastra que com certeza o governador Zema já provou. Ao governador, eu o convido a visitar internamente a Biblioteca da Praça da Liberdade em Belo Horizonte, inaugurada pelo governador Juscelino Kubitcheck e projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. No site da biblioteca, fui informado que eles tem diversos títulos da obra da escritora Adélia Prado e com direito a setor de empréstimo domiciliar.

Recentemente, Zema reconheceu a décima região com produção de Queijos Minas Artesanal chancelada, a região “Entre Serras da Piedade ao Caraça.” Até então, Minas Gerais tinha nove regiões reconhecidas oficialmente como produtoras de queijo artesanal: Araxá, Canastra, Cerrado, Campos das Vertentes, Diamantina, Serro, Serra do Salitre e Serras da Ibitipoca.

“Não quero faca, nem queijo. Quero a fome” – Adélia Prado.

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