Deus é uma saudade que pega a gente de jeito quando, por entre as frestas da brutalidade do cotidiano, a beleza nos surpreende. Não sei como isso se processa com você, se são pequenos deslumbres fugidios ou se são alumbramentos constantes a te perseguir as sensibilidades. No meu caso, tenho a benção de ser agraciada com essas pequenas teofanias quase que diariamente muito embora tenha que confessar que em alguns dias olho a pedra e vejo pedra apenas, como Adélia.
Na verdade, a pergunta que frequentemente ronda minha cabeça é: por que a beleza ainda seduz? O que faz nosso coração bater mais forte, os olhos vazarem feito maré alta e o coração experimentar uma doçura única diante de um momento, um cheiro ou até mesmo um som? Por que ainda nos deslumbramos num mundo onde a barbárie da impessoalidade, da desigualdade e da falta de amor existem e persistem em nos desanimar? Mesmo após tantas teorias cientificistas, antropológicas e sociológicas, por que o pôr do sol, as flores e os beijos apaixonados ainda fazem sentido para a alma? Estas e tantas outras questões se revelam cada dia mais pertinentes em tempos líquidos onde pouco do que valorizamos não se dilui totalmente frente à voracidade da vida. Se algo fica nesta peneira, quero saber porque.
Em meu coração, não encontro outra saída: as questões ligadas ao belo, ao bom, ao justo sempre levam de volta para o Eterno. É um caminho demarcado que vai dar sempre n’Aaquele que pôs o decodificador de maravilhamentos em nós. É diante da eternidade e na presença do Eterno que está a casa do coração… sim, aquele lugar que visitamos tão dentro de nós mesmos que acaba saindo, como num “buraco de minhoca”, em outra dimensão existencial. E nessa outra dimensão, a beleza que deslumbra aponta para o Grande Espírito Eterno, o Pai das luzes, a Divina Ruah que sustenta tudo que existe neste imenso cosmos, ordenado e diverso.
O que se pode enxergar nesses multiversos que nos rodeiam está impregnado da diversidade de belezas que conduzem nossa reflexão para perguntas que por vezes não têm resposta mas ensinam que aprender a conviver com os paradoxos da vida é necessário. Nem sempre as melhores respostas são os troféus que desejamos alcançar. As perguntas, sim, são elas que devem nos impulsionar, que devem guiar nossa pulsão de vida pela mão para que o estancamento existencial não venha a nos acometer como doença terminal e nos vejamos mortos em vida, sem desejo a nos arder por dentro, sem brilho de boniteza nos olhos, sem poesia nos lábios, sem partilha no coração.
Só sei que pela porta entreaberta da Opy’i (Casa de Reza dos Guarani Mbya), na fotografia que ilustra este pequeno exercício de teopoética, registrei a riqueza da simplicidade da Casa Comum: um dia lindo, céu de claridade intensa, verde brilhante na vegetação e tons de marrom na terra de onde viemos, da qual dependemos e para onde iremos voltar. Elementos tão corriqueiros que passamos por eles quase todos os dias e nem ouvimos o transbordar do testemunho da graça de existir. Perceber a bondade que sustenta as cores que quase arrombam a retina de quem vê (como canta Chico) é fascinante porque delas pendem as aquarelas com as quais pintamos nosso dia a dia. Neste ato de embelezar o tempo com palhetas de tonalidades diversas, rimas fartas, cheiros e sabores vívidos, pode-se degustar de variadas formas a vida e isso é o que nos cabe enquanto aqui estivermos.
Meu convite a você é que se permita apreciar com olhos de criança recém chegada a este recanto azul de Via Láctea, os lampejos de Eternidade onde as lembranças do Deus amante nos enternece o coração. O salmista já nos disse que “a terra está cheia da bondade de Nhanderu.” (Salmo 33:5). Cabe a nós, artesãos do tempo que temos nessa estadia planetária, bordar a mais bela tapeçaria possível. Que ao menor contato do ordinário da vida com nossos sentidos, nossos sensores da Beleza que a tudo enche nos guie o pensamento e os afetos de volta para a casa imensa que é o colo da divina Ruah. Sigamos pelas trilhas do mistério!