Eu tenho amigos e amigas de diversas idades. Alguns com 30 ou 40 anos, portanto bem mais jovens do que eu, e outros, com 70 ou 80, que trilharam vários caminhos bem antes de mim. Mas a maioria está na minha faixa etária, que é em torno dos 60 anos. A gente se encontra frequentemente e em diferentes e variadas situações, como no compartilhar da mesa e dos copos, no trabalho conjunto em distintas frentes de ação, no aconchego das casas ou no clima barulhento dos bares, nos momentos significativos como festas, celebrações, passeatas, mas também nas dores, perdas e desilusões. E, assim, seja na espontaneidade do gratuito, seja na caça de nossas existencialidades, vamos à procura de nós mesmos…
Nessas horas, entremeadas sempre por histórias engraçadas, memórias superdivertidas, papos descontraídos e agradáveis, relatos de filmes interessantes que foram vistos ou outras atividades culturais feitas, estão aquelas conversas mais densas e inquietantes, porque falam das incertezas do futuro. Elas sempre aparecem, sorrateiramente, nos entrelugares das emoções, nos interstícios de algum ponto sofrido da alma, nos rubores das indagações e das perguntas, especialmente sobre o que fizemos até aqui em nossa jornada e o que será de nós no futuro. Afinal, a casa dos 60 anos é morada provisória, lugar de encontro de mundos, de términos e quartos disruptivos! É a casa onde filhos e netos vão invertendo as nossas vivências, pautando a vida em outro tom e alterando valores e visões que temos. Os ‘60’ são de contabilidades estranhas, de medos e solturas e, sobretudo, da tentativa de “alcançar corações sábios”, como na visão bíblica (Salmo 90.12).
Nessas situações, em ‘mil-tons’ misteriosos, sempre ecoa no meu peito a canção:
Nas conversas que afiam o nosso mais profundo ser, há sempre muitos embaraços, dilemas e inquietações. Eles vão aparecendo, aqui e ali, ressoando, borbulhando cada vez que a confiança e a cumplicidade aumentam na troca das palavras, ou quando os olhos marejados se cruzam afetiva e acolhedoramente, ou quando a partilha acontece de forma sensível e autêntica e ninguém se sente melhor do que o outro. É a situação dos filhos, por exemplo, que ora é de alegria, ora é de preocupação. Será que estão no caminho que julgamos adequado? Será que precisam de maior proteção ou de mais liberdade? E os que vivem em situações-limite, quem vai cuidar deles quando não mais estivermos aqui? Até quando morarão conosco ou estarão perto de nós? E as opções políticas, sexuais, profissionais, afetivas que fazem? Não é possível negar que, em algum momento, talvez desavisados, não pensamos nessas e em tantas outras questões! Como diz a canção: “A vida me fez assim”.
Também não é incomum nas conversas brotarem aqueles inquietantes balanços existenciais, especialmente sobre o sentido do trabalho profissional que realizamos até aqui. A costura das palavras, por vezes, nos faz pensar no que valeu a pena, no que foi desperdiçado, no que foi valorizado e também nas mágoas, nas incompreensões, nas invejas, tidas e sofridas. Em quantos ambientes dedicamos as nossas energias no trabalho? Qual deles foi o mais prazeroso e de qual não sentimos qualquer saudade? Com quem aprendemos coisas úteis ou sublimes e com quem trocamos conhecimento? Qual foi ou é a nossa mais feliz realização no trabalho?
Desse balanço, não se foge dos amores. Eles foram verdadeiros e autênticos? Produziram em nós os arrepios e suspiros que emolduram a felicidade? Foram vividos com quem realmente desejávamos ou foram arranjados ou mantidos pelas circunstâncias e limites da vida, das possibilidades e dos sonhos?
Por essas e por tantas outras indagações, a canção dilacerante – e, portanto, libertadora –, retorna:
Nas inquietações das conversas também está o vaivém da saúde, que margeia os medos, reescreve os exames, intensifica as consultas médicas, as prescrições, as orações. Já foi o tempo em que todas as palavras giravam em torno dos planos de passeios, viagens a serem feitas, comidas exóticas para experimentar. Tudo isso continua, é claro! No entanto, misturado com outras palavras e tons: os planos, são os de saúde, acompanhados das reclamações por seus altíssimos preços e limitações; as viagens, boa parte delas é para cuidar dos pais ou pessoas queridas da família; as comidas vêm com indesejadas dietas; e remédios não faltam na lista. Tudo no corpo parece ser frágil e fugaz. Porém, não é somente assim.
Tempos atrás, achei no exemplar do livro Variações sobre a vida e a morte, de Rubem Alves, que tenho em casa, um pequeno texto que eu havia transcrito do próprio livro e colocado na dedicatória feita para a minha namorada na época:
E as conversas rodam, os laços vão sendo criados e recriados, a amizade, ainda mais cristalina, vai reluzindo por aí. Outros tapetes são tecidos com as palavras da comunhão afetiva, da solidariedade e do amor desinteressado. Possibilidades são abertas, outros caminhos são possíveis. Milton Nascimento também revela essa busca, quando canta:
Por fim, quero lembrar outra linda canção, de Dani Black, chamada “Maior”, que eu ouvi com a participação de Milton Nascimento, e que muito me fez pensar. Ela ficou na minha mente por muitas noites e, vez ou outra, volta para me alumiar. Estranhamente, achei que ela faz coro com as enigmáticas palavras bíblicas daquele que “se regozija nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou forte” (II Coríntios 12.10). Ela está no redemoinho desse grande e permanente movimento interno, kenótico, apofático e purificador, que nos joga para dentro, nos faz sair de nós mesmos, nos eleva e nua e despojadamente nos faz beijar o chão. A inebriante e duvidosa canção diz que: