Um filme escrito e dirigido pelo mexicano Alejandro Monteverde e que tem como personagem principal o ator que fez Jesus no extraordinário “A paixão de Cristo” de Mel Gibson, chegou nas telas dos Estados Unidos e principalmente no Brasil, levantando polêmica e uma divisão ideológica.
As opiniões de que não se deve assistir ao filme se dividem com o argumento de que foi criado pela extrema direita, principalmente utilizado pelo QAnon, um grupo de extremistas americano que levantam teorias da conspiração.
O filme, baseado em fatos reais, narra a história de um ex-agente policial americano, Tim Ballard, que larga seu emprego para lutar e encontrar crianças sequestradas e escravizadas sexualmente, principalmente na Tailândia e na Colômbia.
Algumas críticas incluem o fato do ator ser branco e americano aparecer como um herói. Convenhamos que se a história é real e o verdadeiro Tim Ballard é branco e americano, não teria como colocar outro tipo de ator. Aliás, o ator se parece muito com o personagem na vida real.
Fui ver o filme por curiosidade, principalmente porque na minha profissão lido com mulheres já adultas que foram abusadas sexualmente na infância e este tema é muito dolorido, mas muito necessário.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, dos 204 milhões de crianças com menos de 18 anos, 9,6% sofrem exploração sexual, 22,9% são vítimas de abuso físico e 29,1% têm danos emocionais.
No Brasil, os dados são estarrecedores: a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente. O Instituto Liberta afirma que são 500.000 – no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.
No filme, as crianças são tiradas de Honduras, e países mais pobres, e levadas para os Estados Unidos. Na vida real, os números mostram que o Brasil é indicado como o país de origem de 92% das vítimas citadas nos processos. Quase todas elas foram levadas para a Espanha (o país que mais recebe as vítimas do Brasil), seguida por Portugal, Itália, Suíça e Suriname.
No embate das opiniões, alguns desconfiam da veracidade das histórias. Quero relembrar aqui a obra de Gilberto Dimenstein Meninas da Noite que relata o resultado de seus seis meses investigando o tráfico sexual de meninas no norte do Brasil, entre 1991 e 1992. Ele passou um ano planejando, investigando e relatando em seu livro as experiências, depoimentos. E, sim, há um grande tráfico humano e escravização sexual de crianças e adolescentes. Em seu livro, Dimenstein, constatou que a maior parte dessas meninas não tinham família e muito menos onde morar. Muitas delas tinham que vender seu corpo para sobreviver e para trazer dinheiro para casa (quando tinham para onde voltar). A muitas era oferecido emprego de faxineira, vendedora, mas tudo engano. Ao chegar na cidade eram colocadas na prostituição.
O negócio da venda de crianças e adolescentes é extremamente rentável, talvez até mais do que o tráfico de drogas. Se o filme está sendo criticado por ter sido escrito e filmado para efeito de antagonizar a esquerda, mostra uma realidade da qual não devemos querer fugir. Ela está aí e precisamos combatê-la. Somente pessoas muito ingênuas e sem nenhuma noção acreditariam que a esquerda no Brasil tem uma máfia para traficar crianças, quando os progressistas lutam pelos direitos humanos e os próprios políticos de extrema direita lutam contra.
Qual o motivo de tantos cristãos se interessarem pelo filme a ponto de igrejas comprarem ingressos e levarem suas congregações? Li que era o fato de ser um filme cristão. Não vi no filme elementos “cristãos”, a não ser a boa ação do personagem principal não se conformar em não encontrar a menina, irmã do primeiro menino que conseguiu libertar.
Mas, outros comportamentos cristãos poderiam ser enaltecidos pelas igrejas evangélicas, por exemplo: quando muitos de extrema direita receberam a notícia do assassinato do irmão da deputada federal Sâmia Bonfim, lamentaram que não tinha sido ela a ter sido assassinada. E isto saiu das redes sociais de pessoas que se autodenominam protetoras da “família, das crianças” e “Deus acima de todos”. Quando leio os haters desconjurando e ameaçando de morte aqueles que pensam diferente deles, de morte, lembro de 1 João 4:7-8: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. QUEM NÃO AMA NÃO CONHECE A DEUS, PORQUE DEUS É AMOR. ”
O filme “O Som da Liberdade”, independentemente do viés ideológico e das denúncias contra o diretor e ator, merece ser visto por mostrar uma dura realidade mundial. Que sirva de alerta a todos nós. Que possamos lutar pelos direitos humanos das crianças e adolescentes e das famílias que se encontram em situação de desigualdade social, pobreza e miséria.
Criança deve brincar, não trabalhar. Devemos preservar a inocência das nossas crianças e isso somente será possível quando nos conscientizarmos dos perigos iminentes aos quais estão expostas diariamente.