Uma minissérie repleta de alegorias e metáforas, baseada na obra do poeta, escritor e crítico literário americano Edgar Allan Poe retrata a saga de dois irmãos gêmeos: Roderick e Melanie. Inicialmente, devemos ressaltar que Edgar Allan Poe (1809-1849) não teve uma infância feliz. Seu. Pai abandonou sua mãe um ano depois de ele nascer e sua mãe faleceu um ano depois de tuberculose. Foi levado por um casal que o acolheu, mas nunca o adotou oficialmente. Como todo escritor, lutou para sobreviver de sua escrita, mas viveu com dificuldades financeiras.
Edgar Poe iniciou uma linha romântica e de terror na literatura, influenciando, inclusive Stephen King. Seus contos sombrios exalavam ao mesmo tempo tristeza e terror.
A minissérie retratou alguns dos seus contos ao relatar a saga da família Usher (ficcionalmente), mas trazendo para nossos tempos o estrago que uma droga potente e amplamente comercializada nos Estados Unidos que tem devastado o país.
O jovem Roderick Usher e sua irmã, literalmente, vendem sua alma para obter o império farmacêutico e enriquecer. Novamente, o número de pessoas. destruídas por essa substância opioide não importa para a família, porque as pessoas se transformaram em números. Para os gananciosos, não importa se montam seus impérios em cima da dor das pessoas, elas não passam de instrumentos para seu enriquecimento ilícito.
Mas, uma obra baseada em Edgar Poe, não poderia deixar de ser trágica. Os irmãos gêmeos, são deixados à deriva quando sua mãe falece, tendo que se virar sozinhos e aí começa a luta pela sobrevivência.
Três dos seus mais famosos contos se entrelaçam na minissérie: O gato preto, O corvo e A queda da casa de Usher, que leva o nome principal. Originalmente, o conto O gato preto é igualmente trágico – mostra crueldade e terror. Não poderia ser diferente na minissérie.
A alegoria à ganância que destrói a família em nome de um “pacto” feito para enriquecer mesmo às custas da destruição de toda sua linhagem nos mostra que realmente, como diz Sartre: “O inferno são os outros”. Assim também, o pacto dos irmãos não foi com o demônio, em si, mas com sua própria ganância que consegue desumanizá-los a ponto de perder a afeição, o amor e a conexão familiar.
Será que não conseguimos ver os “Ushers” modernos? Quantas famílias se destroem quando os pais morrem, por causa de brigas pela herança? Quantos filhos ao saber da morte do seu pai, correm para seu escritório para ver o que há no cofre, antes dos irmãos chegarem? Assassinatos são cometidos contra os pais por dinheiro.
Não foi o demônio que destruiu os filhos e a casa do Usher, e sim a falta de amor, a doença mental instaurada dentro da família, a partir do relacionamento doentio e superprotetor dos dois Irmãos.
Byung Chu Han, filósofo coreano, em seu livro A sociedade Paliativa: A dor hoje, retrata a sociedade que não quer sentir dor. Sofrer nesta sociedade passa a ideia de fracasso, e ninguém quer ser visto como um fraco, fracassado. Precisamos estar sempre fortes e felizes. Tornamo-nos pessoas “instagramáveis” em busca da aprovação e dos “likes”. Dos nossos seguidores: tudo é riso e alegria. Por dentro sofremos, mas precisamos aparentar sempre alegres e que tudo está muito bem conosco. Uma sociedade que também não consegue sofrer com os que sofrem. Empatia é uma palavra malvista, como também a frase Direitos Humanos.
Assim se funda o império da dor, ou da cura. Óbvio que não advogo aqui sofrer e não tomar remédios, mas a indústria farmacêutica e médica vende a ideia. De que substância tal lhes dará uma melhor qualidade de vida. Não me refiro aqui a dores neuropáticas, que são excruciantes, mas até mesmo as dores emocionais. Não queremos chorar, não queremos sentir a tristeza que nos invade, e assim ajudamos aos “Ushers” da vida a construir seus impérios e a se destruírem também.
Quando a pessoa está com sua consciência doendo, ela vê perseguições, (o. corvo), ela vê perigo em um gato (gato preto), ela não consegue dormir em paz. O grande problema é que os maus já perderam sua consciência e se entorpecem através de substâncias para não sentir a dor. Assim como, muitas pessoas que genuinamente sofrem de dores física e emocional não conseguem ser medicadas ao limite da dor. Sempre o entorpecimento dos sentimentos quer mais e mais.
Uma cena impressionante na minissérie (desculpe o spoiler) é de milhões de pessoas caindo pela janela do Roderick Usher e a pessoa com quem ele fez o trato falando: “Você queria um império, pois veja o número de pessoas que fundaram seu império.”
O uso dos remédios fortes para dor nos Estados Unidos já são uma tragédia. Segundo fontes científicas, só em 2021 mais de 100 000 americanos morreram por overdose de fentanil e congêneres, um aumento de 279% em relação a 2016 (Leia mais).
A casa dos Ushers caiu. Mas, não antes de destruir com jovens, famílias e uma população que busca alívio para as dores causadas pelo mundo que não para de exigir dela, mais do que ela pode dar.
Com diálogos profundos e filosóficos sobre a vida, a ganância e a falta de vínculo familiar, A queda da Casa de Usher, é uma minissérie que vale a pena ser vista, discutida e de se refletir sobre as metáforas existentes ali.