Ouvimos relatos de assassinatos de pessoas LGBTI+ e geralmente nem nos perguntamos os porquês e muita gente nem se indigna. Aliás, algumas até pensam que foi “castigo de Deus”, ou pensamentos como: “bem-feito- eles escolheram isso, agora que aguentem”.
Em 1999 houve um crime terrível cometido por dois homens que entraram na casa de um casal gay na Califórnia e os mataram simplesmente pelo fato de serem gays. Quando questionados pelos policiais um deles respondeu: “Tive que obedecer à lei de Deus, mais do que a dos homens. (…) Meu irmão e eu estamos presos pelo nosso trabalho de limpar uma sociedade doente.” Um deles se suicidou e o irmão que pediu desculpas à família, depois de ter pegado prisão perpétua, falou “Me perdoem por ter tomado o lugar do Cordeiro de Deus em lidar com o mal do mundo e não ter esperado pacientemente pelo tempo Dele”.
Já nos perguntamos porquê o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo? Minha teoria é de que nosso discurso nas igrejas é violento e incita à crueldade contra as pessoas LGBTI+. Enquanto os fundamentalistas protestantes e católicos não entenderem que seus discursos levam à morte e ao sofrimento, seremos o país com o maior número de pessoas que se autodenominam “cristãs”, mas o que também mais mata pessoas da comunidade LGBTI+.
Como afirma Mel White no seu livro Religion Gone Bad (A religião deu errado), “o fundamentalismo é um vírus mutante que infecta e adoece o cristianismo, principalmente o evangélico”.
Quanto à frase: “eles escolheram, agora que aguentem”, quero adiantar que ninguém “escolhe” uma sexualidade que lhe faria sofrer, ser rejeitado, perseguido e lhe constranger. Com o medo, infundado, de que ser gay é um aprendizado, pais e mães e inteiras famílias tentam se afastar do membro de sua família que é gay, ou mesmo de igrejas que acolhem e aceitam as pessoas LGBTI+ em seu meio e em ministérios.
Um dado importante é que homossexualidade não é doença, portanto não tem cura e nem é contagiosa. Não é um desvio, nem corrupção de caráter, por isso não existe uma reversão. Recentemente uma celebridade mostrou seu namorado à sociedade, e de repente, tudo que ele falava e as pessoas liam e gostavam, tornou-se sem valor. Por que a sexualidade de alguém interferiria negativamente nos seus valores, suas reflexões, seu trabalho, seu caráter e no relacionamento com seus familiares e amigos/as?
A perseguição no Brasil espelha exatamente a perseguição aos gays nos Estados Unidos. Dizem que boa teologia é feita na Alemanha, adocicada e estragada nos Estados Unidos e bebida no Brasil. Quando Jerry Falwell (Um fundamentalista americano) iniciou sua campanha da Maioria Moral para levar os Estados Unidos de volta às “raízes cristãs”, (muito embora os queridos cristãos tenham usado a Bíblia para validar a escravatura), ele e seus parceiros formaram uma maneira de pensar ideológica rígida, intolerante e literalista. Obviamente que também se utilizando de versículos seletivamente, apregoaram intolerância e violência. Agora não mais se atiram pessoas “pervertidas e bruxas” na fogueira, queimam-nas com versículos bíblicos.
Dizemos que a religião deu errado quando se praticam mortes, julgamento e exclusão em nome de Deus. Quando o ódio é plantado em nome de Deus. Quando guerras são feitas em nome de Deus, quando pessoas se acham no direito de quebrar patrimônio público cantando hinos. Pessoas se acham no direito de matar cavalos e tentar matar o próximo cantando hinos de “louvor” a Deus, “louvor?”
Os fundamentalistas conhecem a Lei de cor, mas esquecem o espírito da Lei que é amar o próximo como a si mesmo. Para os fundamentalistas a religião dá errado quando não se permitem mais orações nas escolas públicas, quando pessoas LGBTI+ têm direitos iguais para se casar, adotar, frequentar igrejas sem culpa e sem medo de que Deus as castigue e abomine. Para os fundamentalistas a religião dá errado quando cristãos respeitam as outras religiões, a não ser o cristianismo. A religião para eles dá errado quando se pretende interpretar as Escrituras dentro do seu contexto e histórico e linguístico.
Parece que os evangélicos sempre necessitam de um inimigo em comum contra quem lutar. Feminismo, pílula anticoncepcional, sexo antes do casamento, divórcio, aborto. Quando a igreja então decidiu se envolver com política, o inimigo agora é o “comunismo”, quando sabemos muito bem que o Brasil nunca esteve perto de ser um país comunista e nem estará. O capitalismo reina soberano e os supostos “cristãos” não hesitam em matar, quebrar, ameaçar qualquer outro ser humano que não tenha sua mesma opinião, crença e seus valores. Vale recomendar o seriado Contos de Aia (Handmaid’s Tale) ou o livro escrito por Margaret Atwood, escritora canadense, que descreve um mundo distópico onde regras do Antigo Testamento são aplicadas literalmente.
Enquanto não tivermos a disposição de estudar, de nos aprofundar em interpretações de trechos bíblicos incoerentes com a vida, com a aplicação no século XXI, e não estamos nos referindo a secularizar a religião, mas a entender seus princípios, mais do que as leis, porque, afinal de contas, foi isso que o próprio Jesus fez quando esteve na terra e usou a célebre frase: “Porque está escrito…, mas eu vos digo….”