O medo é constitutivo dessas eleições, talvez como nunca antes na história desse país. Ele está espraiado entre aqueles que querem a manutenção do atual presidente, mas também entre o eleitorado que anela por novos ares. Certamente que não se trata do mesmo medo. A aflição de cada um desses grupos não é dirigida aos mesmos temores. Vejamos…
Há aqueles que temem a manipulação do resultado das urnas, e já se acham espalhadas por diversos lugares notícias e mensagens que produzem e reproduzem pavor entre as pessoas. Propaga-se a mensagem de que as urnas não são confiáveis, com a ironia de que os difusores iniciais dessas notícias são normalmente aqueles que foram beneficiados ao longo de décadas pelas mesmas urnas que agora ameaçam contestar. No mínimo, um estranho paradoxo, para não dizer má-fé e irresponsabilidade. Um desses propagadores de suspeitas com o registro e contagem dos votos, foi eleito e reeleito diversas vezes ao longo dos últimos trinta anos. E o estopim para a desconfiança com o sistema eleitoral brasileiro é a iminência de ter sua primeira derrota no voto: implicância de quem não sabe perder.
Há aqueles que ficam apreensivos com a possibilidade de um golpe de Estado, fundado justamente na recusa de aceitação do resultado eleitoral acusado de fraudulento. As ameaças já foram feitas e ainda que haja quem aprove, o motim não foi adiante. Vez por outra, como sabemos, o representante da nação acena com elogios ao golpe e ditadura militar, tendo um séquito de fiéis que invocam: “Intervenção militar já”. Esse risco de desestabilização de nossa recente democracia não está completamente descartado. Ele não aconteceu ainda por falta de apoio qualificado. Até agora, apenas uns tantos estúpidos alardeiam esse delírio.
Curiosamente, há até mesmo pessoas que ficam apavoradas com a desconfiança de que um futuro governo de oposição implante o comunismo no país, coisa absolutamente improvável, como os anos de governo petista já demonstraram. Os oito anos de governo do “socialista refinado” foram marcados por políticas econômicas e sociais liberais. No caso, das religiões, houve reconhecimento à diversidade religiosa, combate à intolerância, legitimação das instituições e oficialização de dias destinados às religiões no calendário nacional (ver “Lula, o presidente dos cristãos“).
De todo modo, eu quero destacar aqui um outro medo: o receio de morrer nas eleições. Explico: um conjunto de notícias de violência e assassinato por motivos políticos têm chocado a todos nas últimas semanas. Parte da explicação para tais insanidades pode ser que os ânimos de rivalidade política se agigantaram ainda mais do que já vinha acontecendo devido à proximidade do pleito. É fato que cenas de violência e assassinato vinculados a divergências políticas têm feito vítimas em diversos lugares do país. Uma rápida pesquisa na internet sobre o tema comprova suficientemente essa afirmação. Algumas pessoas saem de suas casas armadas e predispostas a exterminar eleitores de candidatos de outra legenda política. Essa banalização do mal e da vida está às nossas voltas o tempo todo.
Dentre tantos relatos assustadores, um deles pode ser destacado. Houve um debate entre irmãos da Congregação Cristã no Brasil acerca de uma cartilha que circulou na igreja, com orientações para não se votar na esquerda, por não compartilhar dos valores cristãos da família. Um dos irmãos demonstrou discordância com a posição da igreja e sinalizou voto em Lula. Outro irmão de fé que se indignou com essa postura pegou sua arma e atirou na perna do herege (para mais detalhes e versões do ocorrido, a notícia). Enfim, conhecida pelos fortes laços de irmandade e por ser tradicionalmente contrária à vinculação da igreja com a política, a Congregação Cristã no Brasil entrou na onda e também aderiu ao bolsonarismo, essa seita religiosa que tem quatro anos de fundação, mas que evidencia camadas mais profundas de nossa história e modo de existir.
Chegamos ao fim e ao ponto. Dia 02 de outubro os brasileiros vão às urnas decidir sobre os governantes que conduzirão a nação pelos próximos quatro anos. E estamos frente a um dilema que diz muito sobre o nosso tempo. Enquanto um grupo irá alegremente e majoritariamente vestido com a camisa da seleção brasileira de futebol (tornada símbolo de patriotismo), o que se tornou evidência de uma opção eleitoral, outro grupo precisará escolher uma roupa diferente. Ironicamente, enquanto um dos coletivos poderá fazer carreata com bandeiras e carros de som, o outro grupo, acuado, procurará passar despercebido nas ruas e seções eleitorais. Haverá gente armada nas ruas defendendo a suposta pátria contra os considerados inimigos.
O outro coletivo de eleitores não se vestirá com a amarelinha, seguido do agravante de que está constrangido a não usar vermelho e sinalizar publicamente sua opção política, como risco de morte. Talvez, seja preciso maior cuidado ao escolher uma roupa que não diga explicitamente ou diga sem dizer, em nome da vida. Quem vai arriscar para ver? Quem sabe ir de branco não seja melhor? Mas não pode ir todo de branco para não ser confundido com o povo de terreiro, pois há ainda a intolerância contra o candomblé. Enfim, com ou sem trajes que evidenciem sua preferência eleitoral, esse grupo coagido vai com o coração cheio de amor e esperança contra a maldade e o medo, torcendo por dias melhores. Esperando pelo fortalecimento e civilidade democrática e vibrando para que esse ódio acabe após o resultado das eleições. Utopia? Talvez.