Personagem frequente nos debates públicos das últimas décadas, o pastor Silas Malafaia exerce uma influência significativa numa parcela da população brasileira que não restringe aos evangélicos. Ele possui milhões de seguidores nas redes sociais e, como pastor midiático, conquistou espaços de voz e significativas parcerias no âmbito da política nacional. Seu nome é amplamente lembrado, menos pela vivência espiritual implicada na conduta de um líder religioso do que pelas controvérsias e polêmicas que suas associações e discursos promovem na esfera política.
E acompanhar Malafaia nas duas últimas décadas deveria produzir uma complicação para seus seguidores, pois ele se aproxima e se distancia de determinados políticos com uma assustadora facilidade: esse sujeito muda de opinião e apoio como muda de roupa. Mas não apenas isso, a cada alteração, ele encontra argumentos para justificar em nome da fé a posição adotada ou abandonada. Cada novo candidato que ele apoia é apresentado como a melhor opção, ou até mesmo como representação da vontade divina. Por isso mesmo, a pergunta que norteia essa reflexão é: por que Malafaia troca tanto suas associações com políticos?
Em relação à política, ele se discursa como aquele que sabe em quem se deve votar. Iluminado, ele distingue quem são “os bons” e “os maus” políticos. Ademais, ele atua como uma espécie de pastor-consultor político do campo evangélico e conservador (ao menos é o que visa a sua atuação pública) que faz e desfaz a imagem de candidatos e eleitos. Por isso mesmo, sua posição segue com intensas oscilações: ele sabe, mas depois titubeia; ele tem convicção, mas se arrepende; ele apoia, depois nega; ele abençoa, a seguir pede a cabeça; ele defende, e depois persegue. Geralmente, ele muda de parceiro e opositor na medida em que aqueles que ele apoiava são acusados de crimes. Como lhe falta discernimento! Ele precisa orar mais para não cair em tanto engano sobre os atributos de honestidade de seus apoiados. Ou talvez o problema seja outro: pode ser que ele mude apenas pela conveniência, sendo seu apoio dependente do que lhe interessa em cada momento e da imagem que quer passar para seus seguidores.
Vejamos alguns exemplos das relações de Malafaia com políticos brasileiros.
Em 2002 e 2006, ele havia curiosamente declarado apoio a Lula. Num vídeo de 17 de outubro de 2002, Malafaia diz que as igrejas não devem determinar voto em qualquer candidato. Por que ele subiu ao palanque com Lula no segundo turno de 2002? Era Malafaia inocente quanto ao PT? Anos depois, ele diz: “Já acreditei no PT e fiz campanha para Lula em 2002, inclusive aparecendo no programa eleitoral. Quando comecei ver o real objetivos deles, saí fora, qual o problema? Corrigir rotas, reconhecer erros só faz quem é inteligente. O soberbo acha que nunca erra e acerta todas”. Seria bom se ele tivesse mesmo aprendido inteligentemente a corrigir sua rota; mas não: vamos conferir.
Quando Temer ainda era vice-presidente, Malafaia foi ao Palácio do Jaburu para o abençoar em nome de Deus e lhe solicitar cuidado com a indicação ao Ministério da Educação, pois era preciso se precaver diante da “ideologia de gênero” invadindo as escolas. Pouco depois, e logo após o discurso de posse de Temer, lá estava Malafaia novamente, orando e abençoando seu governo. Meses depois, contudo, Malafaia apareceu defendendo a renúncia ou o impeachment de Temer. Astuto e ardiloso, ele diz: só quem pediu o impeachment de Dilma pode pedir o de Temer. E a lista de relações controversas parece não ter fim: aguentem mais um pouco.
Malafaia vibrou com o lugar e a relevância política do então deputado Eduardo Cunha, “irmão nosso”, disse ele. E mais, alegou ainda que Eduardo Cunha seria o homem mais inteligente e mais honesto que ele conhecia e que dava dignidade à Câmara. O final já sabemos. Outro caso: Malafaia apresentou Romero Jucá como “um amigo da comunidade evangélica”, como “um homem que defende ideais e princípios cristãos”, como alguém que “tem nosso apoio”. Mais uma vez, como se diz, deu ruim! Esse também foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Mas como é podre o dedo desse profeta.
A relação de Malafaia com Jair Bolsonaro também guarda suas ambiguidades e conveniências. Na pré-campanha de 2018, ele discordou de certos comportamentos de Bolsonaro, mas disse que “o cara é limpo” e “não tem uma acusação de corrupção contra o cara”. Contudo, depois de paquerar Bolsonaro como candidato à presidência, e criar expectativa de apoio à sua candidatura, Malafaia optou por outro nome: João Dória, prefeito de São Paulo. Mais uma vez um político/candidato que foi apresentado como homem de Deus ou, quem sabe, “irmão nosso”.
Após a eleição de 2018, contudo, ele vem tratando Bolsonaro de forma diferente e com maior insistência. Malafaia tem uma relação com ele que lhe permite atenuar, por exemplo, sua própria posição inicial de crítica ao armamentismo. Há ainda cultos na denominação de Malafaia voltados para Bolsonaro, coisa que ele condenou como um absurdo tempos atrás. E como o pastor tem obtido alguma vantagem nessa relação, ainda não rompeu. E mesmo que muitas vezes precise responder perguntas sobre questões que lhe incomodam acerca dele, mantém a fidelidade. Contudo, alguns dias atrás, um curioso incidente evidenciou a sua dificuldade de manter coerência na relação com Bolsonaro. Roberto Jefferson atirou nos agentes federais que foram prendê-lo, e imediatamente Malafaia saiu em defesa do ex-deputado e criticou o Supremo Tribunal Federal, como se espera de um bom bolsonarista. E esperava-se que o presidente fosse na mesma direção. Contudo, para surpresa geral, Bolsonaro tratou Jefferson como bandido por atirar em policiais. Mas se “bandido bom é bandido morto”, o que deveria ter acontecido a ele? Mas, para o que de fato nos interessa aqui: até quando Malafaia estará com Bolsonaro, já que ele mantém uma política do irmão nosso de cada dia.
Alguns vídeos para consulta:
“Lula é vítima da cultura do medo, disse Malafaia em 2002”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uH1KwCJ374M&t=32s.
“Projeto de Lei Quer Armar a População; Pr. Silas Malafaia Comenta”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mL6cNsTq8Wo.
“Jucá e Cunha: Os Amigos de Malafaia”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rpEBmIo43AE.
“O que é pior? A ofensa de Roberto Jefferson ou o voto da ministra Carmen Lúcia?”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OuEbuUyvUKA.
“Eleições 2018: Novo vídeo com Bolsonaro”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CzzWblrKkNI.