A história de Sodoma está registrada no livro de Gênesis 19,1-11, e é uma das mais famosas narrativas que “tratam da homossexualidade”, ou, pelo menos é considerada como tal. Vejamos um pouco mais detidamente essa questão.
A partir do século XII – conforme afirma Daniel Helminiak, teólogo católico – a condenação pelo pecado de Sodoma é entendida como consequência da homossexualidade. A palavra “sodomita”, inclusive, passou a se referir àqueles que mantinham relações anais, e o pecado de Sodoma ficou considerado justamente como o ato homogenital masculino.
Os primeiros versos (vv. 1-4) vão narrar que Ló, na porta da cidade, recepciona dois anjos e insiste para eles passarem à noite em sua casa. Eles então ficam, mas todos os homens da cidade, os ditos sodomitas, queriam conhecer esses anjos. O gesto nobre de receber estrangeiros em sua casa, não foi aceito por esses homens, que inclusive fazem questão de ressaltar que o próprio Ló também era um estrangeiro (v. 9).
Há algo bastante curioso aqui, pense comigo. Ló oferece as filhas virgens para preservar a integridade dos convidados – cumprindo assim a lei da hospitalidade -, mas mesmo assim eles queriam conhecer os estrangeiros que lá estavam. Há uma atitude violenta, claramente opressiva com relação ao estrangeiro, a relação pecaminosa aqui perpassa pelo abuso, não claramente pelo desejo sexual homogenital.
É nítido perceber que os sodomitas rejeitam receber os anjos/estrangeiros em suas casas, isso é inequívoco numa leitura atenta. O pecado está aqui, explicitado diante de nós: (1) abuso e ofensa contra estrangeiros; (2) insulto aos viajantes; e (3) falta de hospitalidade para com os necessitados.
O problema central não gira em torno do sexo, já vimos que Ló oferece as filhas em lugar de uma relação abusiva, em lugar do arrombamento da casa/hospedagem dos anjos, tentativa clara pela brutalidade percebida de uma violação a todo custo do estrangeiro. Se olharmos o restante da revelação bíblica, veremos que os demais autores citam o caso de Sodoma como falta de hospitalidade e respeito, como a seguir:
(1) “E esta foi a maldade de tua irmã Sodoma: ela e suas filhas eram orgulhosas, tiveram fartura de provisão e prosperidade; mas nunca ajudaram o pobre e o necessitado” (Ezequiel 16,48-49);
(2) “…um excessivo ódio pelo estrangeiro” (Sabedoria 19,13 – Bíblia Católica); e
(3) “Estes são os doze […]. No dia do juízo haverá mais indulgência com Sodoma e Gomorra que com aquela cidade” (Mateus 10,5-15).
Ainda há outros textos, menos diretos a Sodoma, mas há, tais como: Isaías 1,10-17; 3, 9; Jeremias 23,14; e Sofonias 2,8-11. Os pecados listados são: a injustiça, a opressão, a parcialidade, o adultério, as mentiras e o encorajamento dos pecadores.
Parece-me, com toda licença, que a homossexualidade não está sendo claramente atacada no caso de Sodoma, mas um certo ódio/repulsa/abuso ao estrangeiro – como reforçado em outros textos bíblicos indicados aqui.
Em suma, corações fechados e mentes cauterizadas não dão ouvidos aos arautos divinos, bem como, aos estrangeiros que, na verdade, são gente de toda parte, também imagem e semelhança de um Deus invisível.