Deus é uma saudade que lateja dentro da gente e sempre nos pega de surpresa quando, desavisados, caminhamos pela vida. Ela enche os olhos de mar, faz o peito aquecer e o sorriso brotar nos lábios sem precisar fazer força. Essa saudade aparece quando a gente tropeça numa flor que brota duma rachadura no concreto e desencadeia um turbilhão de pensamentos: como essa fragilidade venceu a dureza? Quanto tempo levou para que, debaixo de todos esses entulhos da dita civilização, a força da vida brotasse com colorido exuberante? Que tanto de esforço essas frágeis folhinhas fizeram para vencer? Quanto tempo sustentarão essa rebeldia que deseja e parte incansável para retomar seus lugares originários neste mundo?
A saudade tá nessa folhazinha, na flor minúscula, nessa janela pra eternidade que nos lembra que nosso espírito não é refém do tempo e por isso nossa alma tem uma sede infinita, busca imensa de caminhante na jornada para a Terra Sem Males. O correr da vida nos anestesia, o coma da colonização nos rouba o gosto da delicadeza, nossas pálpebras ficam cansadas de tanto concreto. Isso tudo é denúncia de que tem uma parte nossa, miolo-mole-coração, que bate nos empurrando para um futuro ancestral pois feito de pequenas coisas que a ambiência da urbanidade nos roubou. Conectar os pés-raízes na terra e ter lunetas para enxergar tanto a pequena folha como o gigantesco cosmos distante é parte desse recuperar-se da distância do Amado.
A distância de quem se ama dói de muitas formas e quero te lembrar subversivamente que o bioma em que estamos imersos no dia a dia é nosso maior mestre dos encantamentos do Eterno, mesmo quando não nos damos conta. Trazer para junto esta memória não predatória mas de intimidade com Pachamama, eco do Éden em nossas entranhas, é uma vez mais registrar o que o salmista afirmou: não precisamos de palavras para apreender a grandeza da vida que transborda no minúsculo e no imenso.
E é exatamente por sermos todos caminhantes na existência que a Divina Saudade nos pega desprevenidos, nas coisas pequenas como o gosto bom do mel na boca, o abraço apertado, o silêncio contemplativo e as inúmeras bonitezas cotidianas. Em tudo que nos cerca, berra a saudade Daquele que coloriu flores e folhas, nos deu desejos por sabores ainda não provados quando plantou dentro de nós essa fome pela eternidade, por isso digo que é urgente raspar nossa pele que já virou casca de civilização e encontrar os nervos pulsantes que nos fazem apreciar lua, chuva e passarinho como testemunho pleno e legítimo da bondade recebida de quem que é tudo em todos.
O desafio de equilibrar a eternidade no coração com uma saudade cósmica que sempre nos acompanhará torna instigante caminhar com o Verbo encarnado no tempo e na história pois paradoxos sempre teremos: o desejo de céu, de transcender num cabo de guerra com o apego ao que temos na Casa Comum. É da nossa humanidade ser assim e tá tudo bem. Importa termos os sentidos do corpo e da alma aguçados para identificar quando a beleza nos chama para dançar, pois este é o movimento sacralizador de toda vida em que Ruah se esmera nos tecimentos.
A Ruah dança, o Verbo é de carne e poeira palestina, o Eterno é quem nos coloca a falta que nos move na existência…sabendo disso eu te pergunto: como não se apaixonar por uma trindade tão instigante e provocadora? Como não ter poesia nos olhos e música no coração todos os dias, sabendo que a nossa pequena existência no universo é tudo que temos para experimentar essa enormidade chamada vida. As pluralidades que nos cercam são testemunhas da jornada que temos diante de nós, de fruição e de reconhecimento, de investigação e descobrimentos tantos, todos banhados por essa saudade boa de sentir, que eleva nosso olhar para as noites mais estreladas e enche nosso peito de leveza. É saudade de Deus, do Deus que a tudo recheia de encantarias de amor.
E você, sente essa saudade?