Das saudades bonitas que guardo, tem aquelas que vivem enroladinhas num papel de seda, dentro de um saquinho de filó com um pedaço de sabonete dentro. São essas que guardam o cheirinho bom de criança, o sorriso fácil, o destemor quase irracional dos pequenos (muito embora eu tenha sido a criança mais medrosa que conheço, até de balanço eu fugia por causa da altura e chorava facilmente, coisa que mantenho até hoje). A facilidade de se aproximar de outras crianças, pegar na mão e chamar para brincar ou apenas fazer um cafunezinho me remete ao amor descomplicado do Deus que não desiste.
Faz uns dias ouvi cantarem uns versos que ainda ecoam bonito aqui dentro. Era assim: “Pai poderoso infinito/ Deus que não cansa de amar/ Em meio as nossas fraquezas/ Nós vamos te buscar”. Vivo na pele a certeza desta segunda frase, mas a terceira me engasga porque reconhecer as fraquezas é enrolação que tento desembolar, e não é fácil. Assumir as feiúras, acender a luz na cara dos monstros que habitam a parte que ainda não foi conquistada dentro de muitos de nós é encarar de frente bichos disformes com dentes enormes sempre prontos a nos devorar.
É preciso muita certeza de que ir para uma batalha assim e voltar ilesa é um longo processo que nos faz confrontar com muita frustração por não possuirmos o fio de Ariadne. Mas saiba: tá tudo bem, porque é da jornada a incerteza dos mapas ainda por finalizar e se permitir viver criança é também levar-se menos a sério, Isso cura. Ter misericórdia consigo é uma habilidade que demoramos a desenvolver por diversos motivos, mas principalmente porque a instituição eclesiástica hegemônica que nos imprime pertença afetivo-religiosa, não apresenta a pessoa de Deus como sendo essa fonte de amor disponível para toda humanidade sedenta.
Por vezes temos saudade do colo do Eterno e não sabemos verbalizar esse buraco imenso que nos engole a alma. Isso porque ainda somos reféns de um modelo de espiritualidade com cheiro de naftalina e engessada que não nos permite degustar a beleza d’Aquele que é tudo em todos, nos priva de aceitar e vivenciar plenamente nossa humanidade como território de prazer e felicidade que não se deixa macular por culpas que só arrastam nossa alma para o calabouço de nós mesmos.
O que proponho a você é que, sob o sol, voltemos no tempo e vejamos com olhos de benquerença as marcas das brincadeiras de outros dias pintadas nas pedras do calçamento e isso aponte para o sagrado que é também festa. Que nos permitamos sorrir ao sentir a brisa no rosto e tenhamos a percepção de que esse fio de esperança que quase infantilmente nos joga nos braços de Deus é o que nos mantém a sanidade em tempos áridos. O Deus que existe é essa saudade do tempo do colo porque Ele é este colo de amor infinito, esse gosto bom de bolinho de chuva quentinho. Deus é risada à toa com grupo de amigos queridos em volta da mesa mas também está presente na dor do joelho ralado de quem estava pulando amarelinha na rua… machucado esse que cura rapidamente com beijo e palavra amorosa em voz de mãe quando diz: passou.