“Caminhar atento para entender os encantos”, por Priscilla dos Reis Ribeiro

Brotar em meio às contenções é desafio que requer força imensa, e nessa valsa da existência, perguntas vêm e vão: quais contenções nos podam as folhas de crescer livres em direção ao sol? Por que nos mantemos aprisionados se cabe somente a nós a decisão da liberdade? Por vezes, acostumados que somos a crescer sendo aparados constantemente, aprendemos a pensar que este é o lugar da segurança posto que delimitado, sem aparentes ameaças, supostamente protegido. Amar as paredes, os muros e as cercas é coisa que ao longo da vida impuseram para o nosso coração que sem precisar pensar muito se acomodou aos cárceres e às gaiolas invisíveis. Uns mais, outros menos. 

Fato é que podemos reescrever a saga e nos libertar da sanha dos aprisionamentos, sejam eles quais forem. Repare: os perigos mais vorazes moram do lado de dentro e nos consomem a partir do nosso próprio interior mais do que pelo lado de fora, pelas restrições impostas. Digo com a serenidade de quem já se consumiu no fogo da angústia, sobrou pó apenas e desta fuligem renasceu e segue insistindo. 

Essa ladainha repetida de fronteiras bem estabelecidas, pouco trânsito, espaços curtos para plantio… para alguns esta seria a única verdade possível. Há os que vociferam: não transponha os limites postos visando caminhar pelas trilhas desconhecidas! Não navegue rios profundos! Nem ouse desenraizar-se! Há que se temer trajetos não mapeados!  Porém, há também os que sussurram: venha para as fronteiras! Há lugar amplo nas bordas! Habite os entre-lugares e seja caminhante convicto. Essas vozes da liberdade flutuam no vento e nos chega aos afetos com força, se nos permitimos ouvi-las.

Se analisarmos bem, é da religião ensinar os espaços pseudo seguros onde já está tudo escrito, tudo dito, tudo pensado e inclusive o fim último das coisas já é sabido. Mas coração é passarinho que não aguenta gaiola e Deus sabe disso; sabe tanto que guardou a eternidade embrulhadinha no baticum do peito e esse tanto de tempo imensurável que ela carrega é par dos desejos que nos habitam. 

Mesmo com fortes represas, a água da vida que nos irriga teima em transbordar e não é fácil saber o que fazer dela. Alagar-se com lágrimas ou mesmo suportar a vazante das coisas não ditas faz com que tenhamos que adultescer sem demora. Assumir que dar conta de si é coisa grande, que os medos pisam forte, que a dor barulha muito alto e que coragem precisa treino, é só para quem se viu do avesso nas cruezas dos dias. Sem maquiagem. Sem os douramentos da golden hour. Sem os filtros das ilusões. 

A poderosa fotografia que acompanha esse texto chega-me às retinas e inicia erupção interior: uma singela plantinha crescendo entre as pedras de um velho calçamento. Imagem simples mas tão simbólica visto que carrega em si a delicadeza teimosa que se encontra com a dureza pétrea e ainda assim, assombrosamente, floresce abusada. A natureza mãe, sempre toma pela mão aos filhos e filhas que caminham atentos para entender os encantos que persistem poesia sob a bruma das memórias ancestrais. Ela ensina pelo deslumbramento. Nas lembranças que cheiram a alecrim, me sussurra Neruda: 

“Se cada dia cai/ 
dentro de cada noite,/ 
há um poço/ 
onde a claridade está presa./ 
Há que sentar-se na beira/ 
do poço da sombra/
e pescar luz caída/ 
com paciência.”

Eita… paciência! Tenho tão pouquinha! Por isso, pra mim, aguardar o rumo dos ciclos dá saudade do cuidado maternal de Deus porque abrir trilhas a faca e força pela vida, enquanto os pés caminham e se ferem, me faz desejar o descanso. Sou realista: minha alma só encontra esse sossego quando pisa no chão fofo e morno do coração daquele que só pede que O sigamos. Seguir demanda determinação e persistência, a mesma que faz com que a pequena semente enfrente o peso da terra que a soterra e apresente timidamente ao sol, seu verde-folha. 

Tem jeito não: o que importa nesta vida é folhescer e noticiar esse acontecimento de todo dia, como algo extraordinário. Estamos vivos, mesmo que seja como essa plantinha que verdeja à vista apesar do pequeno espaço que lhe coube, entre pedras, no esquecimento da calçada. Sim, a vida deslumbra, viceja, arrebenta concreto e você aí, sem se dar conta da grandeza desse instante que é tudo que temos, o presente. Renda-se a beleza do Eterno que através da plantinha nos sussurra: o encanto da vida vale nossa reflexão! 

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