Certa vez, um grupo de estudantes de teologia da faculdade em que eu lecionava me convidou para “falar teologicamente sobre o amor”. Sim, esse foi o tema que me solicitaram naquela ocasião para uma de suas reuniões. E lá se vão quase vinte anos! Essa lembrança veio à tona recentemente quando uma das pessoas, muitíssimo querida, que lá estava encontrou nos guardados dela a folha de papel com o texto que eu havia preparado para apresentar naquele dia e me enviou, pela internet, a foto da página/sacramento. Fiquei emocionado.
O título “Pétalas de teologia”, usei para parafrasear a canção “Pétala”, interpretada magistralmente por Djavan, que eu usava sempre como ilustração nas minhas aulas com a expressão análoga: “Deus não cabe em si”. Decidi, então, reapresentar aquela reflexão, adaptando alguns trechos.
Naquela ocasião, eu comecei as palavras da seguinte forma:
O que seria falar teologicamente de algo? Seria o dizer de outra coisa que não fosse ela mesma? Em vários momentos, pessoas são chamadas a falar teologicamente a respeito de temas como violência, mulher, criança, cidade, política e tantos outros assuntos. O que tarefas como essas significam?
Falar teologicamente sobre algo é ponderar sobre o mesmo algo. Não de outra coisa, não de outra realidade, quem sabe mais pura, a sua “essência”. Portanto, eu não quero falar da “essência” do amor, ou de um amor etéreo, metafísico, que está nas nuvens… Para falar teologicamente do amor, temos que falar dele mesmo; e, mais do que falar, fazer amor. Como diz a Bíblia:
Lembremos que o amor tem muitas facetas. Estou falando do amor real, concreto, mesmo que ele exista somente nos sonhos, pois isso também é real. Ele está ligado ao prazer, mas também à dor. “Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço [ou adoeço] de amor” (Cantares 2.5). Ele está associado à satisfação, mas também à renúncia. Ele tem a ver com o fogo e à água. “As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios, afogá-lo; ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado” (Cantares 8.7). Outra canção, cujo título é “Faltando um pedaço”, também interpretada por Djavan, revela essa faceta dilacerante:
E seguimos refletindo… O amor facilita a nossa vida, mas também atrapalha. Não nos deixa, por exemplo, estudar para as provas ou fazer adequadamente os trabalhos acadêmicos, mas nos faz rir como crianças.
O próprio amor não nos deixa escolher a pessoa amada – é ele quem escolhe por nós –, e isso nos faz sofrer quando, por exemplo, não se pode andar de mãos dadas com ela ou beijá-la em público. A mesma canção nos mostra que
Portanto, para falar teologicamente do amor é preciso… amar. “E nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós. Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele” (I João 4.16).
O conhecido teólogo Paul Tillich, em um de seus sermões denominado “O poder do amor”, disse que “Deus e o amor não são duas realidades; eles são um. O ser de Deus é o ser do amor, e o poder infinito de Deus é o poder infinito do amor” (The New Being, p. 26). A Bíblia diz que “ninguém jamais viu a Deus; e, se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado” (I João 4.12). E mais: “aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (I João 4.8). E, se quisermos falar de missão ou algo similar, é preciso lembrar que “nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (João 13.35).
Outra faceta do amor é a transgressão. Lembremos de pessoas da Bíblia que foram intensamente amadas: o filho pródigo, a mulher samaritana e tantas outras. Elas não estariam arroladas ou participando em nossas igrejas! No entanto, está escrito em Provérbios 17.9: “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos”. Um pouco antes, a sabedoria já exalava nos alertando que “o ódio excita contendas, mas o amor cobre todas as transgressões” (Provérbios 10.12). E, lá na frente, outra vez, nos vem de novo a mesma voz afirmando que “acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (I Pedro 4.8).
Ah… O amor traz certa insegurança. Primeiramente, porque ele é arrebatador. Na canção “Pétala”, o poeta se esvai em dizer:
Segundo, porque podemos amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo ou quem, por alguma razão, não deveríamos. Aí vêm as culpas, os arroubos, as palpitações, as incertezas… Terceiro, porque as pessoas que amamos podem ser meninos de rua ou jovens nas prisões, e isso dá medo. Não sabemos agir, embora saibamos o que deveríamos fazer: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (I João 3.17). Então, seja pelo Eros, seja pelo Ágape, estamos todos em maus [ou bons!] lençóis. Mas isso não tem jeito!
O fato é que a insegurança humana não pode ser superada nem por ativismos, ritualismos, idealismos, legalismos, sacramentalismos ou outras formas humanas de ação. É nas “situações-limite” vivenciadas pelo ser humano que se pode experimentar o amor gracioso de Deus. A felicidade, portanto, está unida ao risco e à incerteza próprias da vivência humana, assim como ocorreu com Jesus em suas tentações (Lucas 4. 1-13). Não diz a Palavra de Deus que “no amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor” (I João 4.18)? “Sem medo de ser feliz”, como já cantamos todos nós que amamos radicalmente os que sofrem.
E então…