Existem vários relatos no Antigo Testamento onde a mulher é abandonada, desvalidada e injustamente punida. Poderia citar Hagar, serva de Sara e Abraão, que depois de ter dado um filho ao casal, por causado ciúme de Sara do seu filho Ismael, expulsaram-na de casa, enviada com um cantil de água e um pedaço de pão juntamente com seu filho, para o deserto. Certamente, Sara tinha esperança de que ambos morressem abandonados de fome e sede.
Poderia também citar a lei que dizia que a jovem teria que casar-se com o estuprador em Deuteronômio 22:28-29 “Quando um homem achar uma moça virgem, que não for desposada, e pegar nela, e se deitar com ela, e forem apanhados, 29 então, o homem que se deitou com ela dará ao pai da moça cinquenta siclos de prata; e, porquanto a humilhou, lhe será por mulher; não a poderá despedir em todos os seus dias.”. Segundo historiadores, essa lei era para proteção da jovem estuprada, pois sem virgindade ela ficaria desprotegida e não casaria jamais. Seu destino seria a prostituição ou a mendicância, mas em última análise, se a mulher era estuprada, mesmo que não fosse culpa dela, a sociedade a desprezaria.(Sugiro a leitura do mito de Medusa).
Dentre todos os casos de desvalidação da mulher, principalmente ao perder sua moeda de troca “a virgindade”, gostaria de focar no castigo de levar a mulher perante o sacerdote no caso de ciúmes e suspeita do marido: importante observar que a inocência dela fica inteiramente ao dispor do sacerdote`. Como acreditar que um chá amargo mostraria se a mulher havia ou não sido infiel? E ao provar sua inocência, após passar pela humilhação e o sabor “amargo”, literalmente, do chá, o marido não sofre nenhuma punição, e pior, essa mulher precisa voltar a se submeter a morar debaixo do mesmo teto de um homem que humilhou, imagina o que não fará em casa?
Podemos ter uma ideia de como seria uma sociedade patriarcal baseada no Antigo Testamento no seriado distópico Contos de Aia (Handsmaid Tale), baseado em um livro sob o mesmo nome, escrito pela canadense Margaret Atwood, vemos uma sociedade patriarcal, interessada em criar um regime “bíblico” aos moldes do Antigo Testamento, onde eles prendem as mulheres lésbicas, divorciadas, mãe solos e as retira do mercado de trabalho e as leva a uma sociedade para ter filhos por casais cujas esposas são estéreis. Os absurdos que vemos nessa série, pode nos dar uma ideia de como era a sociedade do Antigo Testamento, onde a mulher era objeto de troca comercial e um centro de reprodução.
Hoje, em pleno século XXI, vivemos um retrocesso. A mulher conseguiu o direito de voto, apenas no século XX. A mulher ainda tem o Estado pesando a mão e subjugando-a a horrores impensáveis. Não basta o fato de que no Brasil ocorre um estupro a cada 37 minutos e 75% dos estupros acontecem dentro de casa. Em 2023 o número de estupros em São Paulo bateu um recorde histórico: mais de 14.000 casos. E agora, uma PL 1904 sugere que a mulher estuprada que cometer aborto deverá pegar até 20 anos de prisão, enquanto o estuprador terá no máximo 10 anos. Por isso, essa PL está sob o codinome de “PL do estuprador,” e com propriedade. Sim, o número maior de mulheres estupradas é de 15 anos! Então, o Governo quer obrigar essas adolescentes a viver uma gestação de um monstro.
Uma pergunta paira no ar: Quando a adolescente tiver esse filho, ou essa filha, o Governo a amparará? Dará condições emocionais e financeiras para que a criança cresça? Ou a abandonará ao seu destino?
Ninguém em sã consciência é a favor de um aborto. Mas, no caso do estupro, a adolescente ou a mulher será condenada a viver nove meses com a memória do ocorrido, e ainda terá que conviver, provavelmente, com o estuprador pelo resto da sua vida, ou será abandonada ao léu, talvez até pelos pais, porque em última análise, a culpa acaba pairando sobre a vítima.
A teocracia é no mínimo cruel para com as mulheres. Enquanto não formos valorizadas, tivermos nossa cidadania livre, nossos corpos livres, só nos resta resistir. Vamos às ruas, gritemos, elejamos mulheres na política, mas mulheres empáticas e que entendam que basta de nos deixar submetidas a humilhações e ao bel prazer da luta pelo poder sobre nossos corpos. Não nos enganemos, essa PL não é sobre o aborto, é sobre poder, com fins politiqueiros, populistas para aplacar a crise dos partidos medíocres e de genocidas.
Mulheres, levantem suas vozes e sejam libertas do jugo desnecessário do patriarcado!